A fenda labial ou fenda palatina (cientificamente fissura labiopalatina), conhecida popularmente como lábio leporino ou goela de lobo, envolve um grupo de condições que implicam o lábio fendido (aberto), o palato ou ambos. Como esta malformação atinge as estruturas do lábio e/ou palato, ocorre um significativo impacto sobre a fala, audição, aparência e cognição.
A fenda palatina é uma das anomalias congênitas mais frequentes, ocorrendo um caso em cada 500 a 700 nascimentos, o que significa o nascimento de um portador a cada 2,5 minutos no mundo.
Fenda palatina
O lábio e o céu da boca desenvolvem-se separadamente durante os três primeiros meses de gestação. Nas fissuras mais comuns o lado esquerdo e o direito do lábio não se juntam, ficando uma linha vertical aberta. A mesma situação pode acontecer com o céu da boca ou palato. Em casos mais raros pode haver duas fissuras no palato, uma do lado direito e outra do lado esquerdo.
No Brasil, os estudos recentes referem-se à incidência dos recém-nascidos vivos e, de acordo com o Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas, a prevalência de fendas palatinas varia entre 9,72-11,89/10.000 na região Nordeste e Sul do Brasil e entre 5,39-9,71/10.000 na região Sudeste. Já em relação às fissuras de palato, a prevalência varia de 2,41-3,08/10.000 no Nordeste e Sul e 3,09 – 5,01/10.000 no Sudeste.
Similarmente, segundo a WorldHealth Organization (2002), no Brasil, estima-se que a incidência de fenda palatina seja de 13,9/10.000 nascimentos e a de palato, de 5,2/10.000. Em geral, alguns estudos observaram que os meninos apresentavam mais fissuras, de todos os tipos, do que as meninas.
O que é lábio leporino ou fenda palatina?
O lábio leporino (fenda labial) é uma abertura que começa sempre na lateral do lábio superior, dividindo-o em dois segmentos. Essa falha no fechamento das estruturas pode restringir-se ao lábio ou estender-se até o sulco entre os dentes incisivo lateral e canino, atingir a gengiva, o maxilar superior e alcançar o nariz.
A fenda palatina (fissura palatina) consiste numa perfuração no céu da boca, em que é possível observar o septo nasal, bem como as conchas inferiores e pode atingir o palato duro e o palato mole. Estas malformações podem causar problemas de alimentação, problemas de fala, problemas de audição e frequentemente infecções nos ouvidos.
O que causa fissura labiopalatina no bebê?
A etiologia (causa) da fissura labiopalatina é multifatorial, ou seja, é influenciada por diversas causas, incluindo predisposição genética e fatores extragenéticos, que são os fatores ambientais.
Estudos médicos já demonstraram que há um risco maior de uma criança nascer com lábio leporino ou fenda palatina se a futura mamãe: bebe, fuma ou está em situação de obesidade.
Também pesquisas indicam que o uso de alguns medicamentos também aumenta o risco, por isso é sempre obter informação com seu obstetra quando necessidade de tomar medicamentos ou de realizar determinados tratamentos.
As fissuras instalam-se no período embrionário e no início do período fetal, ou seja, até a 12ª semana gestacional, momento em que a face já está pronta e inicia-se o fechamento dos processos palatinos. Assim, as fissuras faciais, de lábio e rebordo alveolar, formam-se até a oitava semana e as de palato, até a 12ª semana gestacional.
Ao contrário do que muita gente pensa, é muito comum o nascimento de crianças com alguma anomalia no crânio ou a face. Uma das mais comuns é a fissura de lábio e/ou palato. Este problema atinge 1 em cada 1000 recém-nascidos no mundo. Não há apenas uma causa para a ocorrência da fissura.
No Brasil, uma pesquisa realizada na cidade de Bauru (SP) revelou que os casos são ainda mais comuns: em torno de um em cada 650 crianças nascidas apresenta fissuras labiopalatinas. A incidência varia de acordo com o sexo do bebê. A fissura isolada de lábio ocorre mais nos meninos, enquanto a fissura de palato isolada abate mais meninas.
Tratamento de fissura labial ou fenda palatina
O tratamento para estes casos é principalmente por cirurgia. Atualmente, graças ao aperfeiçoamento do ultrassom, o lábio leporino pode ser diagnosticado antes mesmo do parto. Isso permite que, logo após o nascimento, a cirurgia corretiva seja realizada. Hoje já existem técnicas que permitem a realização da cirurgia precoce, até uma semana de vida (o que não é o que caso da fenda palatina).
Já a correção da fenda palatina deve ser feita a partir dos 12 meses de vida. Os médicos recomendam realizar a cirurgia de fenda palatina nem cedo demais para não afetar o crescimento do osso, nem tarde demais para não prejudicar a fala. O fechamento completo é realizado em etapas, objetivando assegurar a integridade da estrutura óssea e a funcionalidade da musculatura de oclusão, bem como para evitar a deficiência de respiração e a voz anasalada.
As datas exatas dessas intervenções cirúrgicas dependem do desenvolvimento do bebê e é determinado pela equipe técnica médica. Haverá sempre uma avaliação do médico pediatra.
Normalmente, fecha-se primeiro o palato ósseo anterior para alongá-lo, para depois continuar o tratamento. Enquanto esperam a finalização da reconstrução, as crianças usam um aparelho ortodôntico, que cobre a fenda palatina e permite que se alimentem.
Leia mais: Amamentação e a palatina no bebê
Para existir uma boa alimentação e a criança não refluir alimento pelo nariz até a cirurgia do palato duro, são desenvolvidas técnicas de amamentação sendo a persistência da mãe fator fundamental para seu sucesso:
– Segurar o bebê em posição vertical, de modo que o nariz e a boca fiquem mais altos que o peito;
– Preencher a abertura do lábio leporino com o seio (pode-se usar a placa dentária especial – obturador – para cobrir a fenda palatina);
– Alguns bebês necessitam ser alimentados por sonda orogástrica, copo, mamadeira, colher, ou o que o bebê adaptar melhor.
Se mesmo assim a mamãe não consegue amamentar, recomenda-se retirar o leite materno e dar na mamadeira, pois a preocupação é que mamando mal, o bebê terá pouco ganho de peso e poderá gerar outros tipos de complicações de saúde.
O tratamento é o longo e termina somente com a consolidação total dos ossos da face (entre os 17 ou 18 anos). E como tanto as fissuras labiais quanto as palatinas não envolvem apenas fatores estéticos, mas também nutricionais, respiratórios, auditivos, dentários, emocionais e de sociabilidade, o tratamento requer uma abordagem multidisciplinar, com a participação de profissionais das áreas de cirurgia plástica, otorrinolaringologia, odontologia e fonoaudiologia.
O processo de reabilitação é longo e deve observar o crescimento craniofacial do indivíduo para que não haja sequelas, como crescimento ósseo inadequado. A reabilitação compreende etapas terapêuticas de acordo com idade e crescimento, e envolve a atuação de diversas especialidades.
No Brasil, há 28 estabelecimentos de saúde credenciados no SUS (Sistema Único de Saúde) para esse tipo de atendimento. O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, conhecido por “Centrinho”, localizado em Bauru (SP), por exemplo, realiza todas as partes do tratamento, o que significa tratar alguns pacientes desde que são recém-nascidos até completarem 20 anos de idade. Isso porque, além das cirurgias primárias (cirurgia do lábio aos três meses, cirurgia do palato com um ano), quem nasce com FLP pode precisar de cirurgias secundárias para a melhora da estética do lábio, do nariz, para melhora da fala (faringoplastia), correção estética do nariz na adolescência, cirurgia de enxerto ósseo alveolar, cirurgias otológicas e cirurgia ortognática do final da adolescência.
Também é feito um trabalho com os pais antes da operação para a correção da fenda palatina. O objetivo é prevenir os distúrbios da fala em bebês. Com os pais são realizadas orientações para evitar o desenvolvimento de alterações na produção dos sons da fala, além de orientações quanto ao desenvolvimento da linguagem e alimentação do bebê. O acompanhamento da audição também é realizado sempre que necessário.
Modelador nasal
Pesquisadores do nosso Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês, em parceria com o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, adaptaram para o Brasil uma técnica que reduz o custo e torna mais acessível o tratamento da fissura labiopalatina. Ela consiste na utilização de um aparelho modelador nasal que, ao ser colocado no primeiro mês de vida do bebê, torna possível e mais rápido o remodelamento do nariz e das cavidades nasais.
Por exemplo: sem o uso desse aparelho, os pequenos teriam de passar por três procedimentos cirúrgicos, que só seriam finalizados aos três anos de idade. Porém, com o uso dessa técnica, a cirurgia corretiva do lábio é realizada em etapa única, aos seis meses de idade. Assim, as crianças chegam à idade pré-escolar com maior qualidade de vida e sem sentir algum tipo de discriminação, evitando diversos problemas de autoestima. Os atendimentos são realizados no Hospital Menino Jesus, uma instituição pediátrica administrada pelo nosso Hospital e referência na área, que atende pacientes encaminhados pelo SUS.
Meu filho vai falar normalmente depois da cirurgia?
Se a criança tem fissura só do lábio, ela vai falar normalmente. Se ela tem fissura só do palato ou fissura do lábio e do palato, existe uma possibilidade de que a criança troque algumas letras. Se a cirurgia do palato for feita na época recomendada e por um especialista, ela poderá desenvolver adequadamente a função muscular e, por isso, não terá problemas. Mas, se a cirurgia se atrasar muito, a criança poderá desenvolver alguns problemas de fala. É possível também que a criança precise de acompanhamento com fonoaudiólogo, mas somente um especialista poderá afirmar o caso especificamente.
Casos – Antes e depois da cirurgia
Confira alguns casos de crianças que nasceram com a fenda palatina antes e depois:
TAYLLA
Taylla nasceu com lábio leporino e fenda palatina, descobertos no ultrassom morfológico. Hoje ela está com 7 meses.
Sua primeira cirurgia foi aos 6 meses e, segundo sua mãe, Renata Carolina, daqui a 6 meses irão retornar para fazer o fechamento do palato.
Sua recuperação foi tranquila e sem problema algum.
LAILAH
A primeira foto mostra a pequena Lailah Sena Limongi, que nasceu com fissura total de palato, em seu segundo dia de vida.
Na segunda imagem ela já está com três meses.
A última foto mostra a recuperação de Lailah, que hoje está com dois anos.
LAÍS VIDOTTO
Hoje, com 30 anos, é um exemplo de superação. Laís nasceu com lábio leporino e fenda palatina, sua primeira cirurgia aconteceu aos 3-4 meses para fechar o lábio.
Perto de 1 ano de idade foi realizada a cirurgia de fechamento de palato. Aos 4 anos, o lábio foi refeito. Aos 12 anos, Laís passou por uma cirurgia de enxerto ósseo alveolar (região da gengiva), para melhorar a estrutura óssea e os dentes poderem se movimentar melhor com o aparelho dentário. Aos 19 anos fez suas duas últimas cirurgias: uma rinosseptoplastia (procedimento que une as cirurgias de desvio de septo e rinoplastia) e mais uma correção no lábio.
Hoje ela possui um canal no Youtube – “Lábios Compartidos” – em que compartilha experiências e informações sobre Fissura Labiopalatina de um jeito muito especial.